sexta-feira, 7 de maio de 2010

Um vídeo e um convite a crítica: Exposição feira massa do Grupo MONSTRA.



Meus alunos visitaram meus pensamentos nestes dias de primavera. Saudade, talvez, ou um desejo de estar perto e continuar uma antiga conversa. A responsabilidade por este feito é de um vídeo que chegou até mim por meio do Facebook. Ele apresenta a montagem de uma exposição no Centro Cultural dos Correios na cidade de Fortaleza, seu título: “MONSTRA, feira massa”. Quis saber notícias daquela experiência e acessei o arquivo de mídia e logo pensei nas aulas de artes do colégio sapiens. Incontestavelmente outro filme passeou em minha mente, agora apresentando as minhas lembranças: meus alunos amavam pintar as paredes e criar personagens. 

Ocupava o lugar de professora, portando os convidava a planejar seus desejos artísticos. É comum ao realizamos uma visita a uma exposição que não nos preocupemos com os processos que levaram a arte ao estado de exposição. O vídeo que acompanha este texto é um excelente recurso didático para professores de arte. Além de uma importante ferramenta de registro do trabalho executado em uma instituição cultural. 

Gravar e narrar a história da montagem de uma exposição é uma tarefa sagaz. Gera memória, produz diálogo e informação a respeito da atividade cultural em questão; gesto necessário. No início aparece o contexto, depois observamos que há papéis no chão são os esboços dos artistas. Uma intenção antes do impulso. Um sonho que foi pensado, ensaiado, riscado, apagado, testado, construído, apresentado ao coletivo e depois compôs parte do conjunto expositivo. Arte é trabalho, é elaboração; é neste sentido o grupo procura mostrar as suas diferentes ferramentas: trena, tintas, lápis, papel, riscados, escada, projetor, computador, prancheta, cadeira, pincel, jornal, cola e pessoas, que havia muita gente reunida. Argumento de valorização quando se projeta para um mercado de arte? 

Esta exposição intitulada Feira massa é uma tentativa de diálogo com a Massa feira de 1979. Atividade coletiva e festas em torno do projeto, algo em comum? No cartaz da feira de trinta anos passados diz: “som.imagem.movimento.gente”. Há um bode no centro, luas e estrelas em ciranda em vermelho, preto e branco. Em conjunto o grupo MONSTRA estudou e pesquisou aquela atividade cultural e trouxe referências estéticas, retomou uma experiência do passado. Porque os novos artistas retomam os velhos artistas? Qual é a força de um movimento como o Massafeira? O esquecimento?

Algo “massa” é algo bom, jóia e que vale à pena, é um elogio descontraído. Feira é um lugar de encontro, de mercado, de divulgação e venda de diferentes coisas; entre elas podemos encontrar arte. Feira de arte é algo massa! E uma ação “monstra”, como é? É uma atitude mostra essa de escrever sobre uma exposição sem nem sequer tê-la visitado? Para monstra é possível pensar em absurdo? Não, está mais para assombroso. Mas o que é tão assombroso em nossa contemporaneidade? O grupo MONSTRA representada ou produz o assombro contemporâneo? 


E o que o bode tem com isso? Porque ele está de máscara anti-gás? Nos anos dois mil é possível falar na essência ou na pureza da cultura popular? O branco e o vermelho permanecem. O preto é substituído por azul celeste. Não há mais estrelas e luas e o bode está de máscara. Ele está livre da ciranda que o cercava? Ele ganhou o céu e perdeu as estrelas? Quem é este bode que precisa de máscara? De quem ou do quê é preciso se proteger? Os sonhos não são mais os mesmos é o que está destacado na escolha estética da proposta do cartaz e do título da exposição. Mas qual é mesmo o sentido da inversão? O que há de massa na feira pop de máscara? Máscara anti-gás ou papangu alegórico? Há assombros de dentro e de fora? Qual o lugar da tradução da tradição sempre revisitada?


Dois artistas escolhidos para leituras interpretativas
Circuito expositivo

Diego Akel
Há um perfil do corte de uma cabeça em exposição. Feito de jornal colado com goma, tinta preta e branca para a base estética do trabalho. O corte ao meio revela outro desenho possível para o cérebro humano, ou para os sentidos do mesmo. Imediatamente há indícios de uma referência aos estudos do cérebro que pensaram a loucura ou as indicações criminosas como no caso de Lombroso ou, ainda, espirituais como o Dr. Alescha Sivartha. É praticamente impossível não remontá-las visualmente ao observar o trabalho artístico de Diego Akel. Não se trata de uma cópia desse gênero de arte, nem de uma releitura a preocupação é de outra ordem. E está assinalada pelo movimento do branco sobre a silhueta preta. Repetições circulares, este é o traço de força da peça em análise, este pode também servir como gerador de outras expansões criativas. O que está sendo sugerido? O espiral é um símbolo ancestral que significa tempo ou passagem, mas não é uma espiral, são círculos fechados do pequeno ao maior, um dentro do outro. Onde encontramos esta imagem? Na natureza. 

Diego Akel está interessado na natureza? Não seria este o caminho que indica ter percorrido. Ao que parece é mais um grande esforço de intuição estética. Não compreendo como uma transposição da natureza para o papel e, depois, para a parede. E em que lugar da natureza se pode encontrar esta imagem? Nas árvores e nas conchas, por exemplo. Quando uma árvore muito antiga é cortada é possível saber o seu tempo de vida pelos círculos repetitivos que representam sua trajetória, é possível inclusive compreender diferentes fases de sofrimento pelo tamanho dos intervalos entre os círculos, se é mais curto ou longo há uma explicação que pode ser fornecida. 

Voltamos aos círculos brancos repetitivos dentro da silhueta preta de um rosto. Uma representação higiênica, silenciosa e indiferente de um cérebro de uma pessoa que aparenta um anonimato. Desenhado com limpeza e cautela cada círculo poderia ser identificado com a representação de um ano, de um tempo qualquer da trajetória de vida daquele sujeito indeterminado. A conhecida linha da vida. Não é para julgar se a pessoa é boa ou ruim, nem para pensar se ela está morta ou viva, não é esta a investigação do artista. Então, o que é que Diogo procura? É aqui nesta falta de resposta, (não que deva existir alguma. Mas seria preciso insistir mais nesta ausência, investigar com profundidade.) onde nos encontramos com a fragilidade da construção desta peça artística. 

Os quadros que estão sobre algumas das linhas dos círculos brancos, que indicam precisamente uma referência aos expressionistas, são apenas quadros. Isto é pouco para o exercício artístico que estava sendo construído. É preciso ir além e não se contentar com o que aparentemente parece pronto e resolvido. Se a busca for o efêmero, o subjetivo, a solidão, a angústia ou mesmo o vazio é preciso se debruçar e desfiar o tecido deste problema artístico. Há uma força neste trabalho que precisa ser debulhada, isso se o artista estiver interessado em seguir com esta pesquisa, é claro. Ou deixa passar, e que venham os outros projetos.

Ises Araujo
Com seus corações de arribação Ise constrói o cenário das suas telas. Modelos de corações partem de uma árvore em tempos de seca, dificuldade, sofrimento, dor e convida para a necessidade de guardar as energias e preservar os sentimentos. Delicadeza, doçura, ternura, sutileza, gestos finos e precisos indicam que naquele lugar haverá sinais de solidão. É um trabalho de pintura e se trata expressamente de uma coleção. Um conjunto que conta uma história, um retorno às tragédias clássicas e uma personagem que domina a cena. Há elementos fortes da artista Frida Kahlo: certa acidez, fundos chapados com uma cor forte e fragmentos de corpos femininos.

É uma elegante apropriação estética, mas o tema difere e o contexto também, tornando-se distante da artista citada. A mocinha de Ise é uma bonequinha de plástico ambivalente. Ise convida o observador e o deixa na dúvida entre a existência ou não de vida própria naquela bonequinha fofinha e aparentemente atrevida. Ao que parece a personagem não tem autonomia sobre sua própria vida, ela é vulnerável e manipulável. Estaria ela provocando os debates de gênero? A artista é uma garota e é a única menina do grupo na exposição e é ela quem domina e inventa as ações de sua bonequinha. Os demais objetos, os corpos, o coração alado não transmitem a confiança de pertencerem a mocinha dos cabelos pretos. Os temas do amor e do circo são ambientes para a personagem, há uma naturalidade inquietante nas cenas construídas, um simulacro de perversidade que dissimula a vida, a rotina e, talvez, alguma dor. Há um jogo que explora o consumo da dor. Esta montagem estaria perfeita para decorar um quarto de uma adolescente angustiada. A arte como produto de consumo está para a arte que invade e penetra nas ruas de Fortaleza ?


O grupo popõe feira como mercado para a arte, uma feira na galeria. E os trabalhos são pensados para se enquadrarem a estrutura do cubo branco. Estão todos à venda? E na rua, estes mesmos personagens teriam outro elam? Entre a montagem e a ação artística na rua haveriam diferenças evidentes? Esses meninos do grupo Monstra também querem "se der o carneiro, ir para o Rio de Janeiro e voltar em revistas super coloridas"? Trinta anos e o carneiro está na cena da cidade e como estão condições da produção cultural  e construção políticas públicas para a cultura em Fortaleza? A única chance é acertar no carneiro? Em trinta anos existem outras possibilidades para  inventar um mercado de artes? É por isso que o bode está de máscara?