sábado, 4 de dezembro de 2010

Duchamp no Pompidou

Vitrine para abrigar Duchamp no Pompidou. O que fazer? Olhar e fotografar. Pausa. Perguntar ou contemplar? Suspiro. O que vejo é real? Um mictório e o seu fetiche. O Brasil é tão longe... E eu? Aqui e agora. O que eu poderia interpretar? O meu lugar social em relação ao lugar cultural daquele objeto? Deslumbre. Vontade enorme de gritar EU VI UM DUCHAMP. Bobagem, é uma réplica da réplica. Não é a originalidade que conta, não é? Afinal estou falando de um ready-made. Reflexão. Como o Pompidou constrói a memoria de Duchamp e de sua obra, como memoria das artes? Conceito.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Das linhas afetivas entre Saint Denis e Paris

Meus primeiros passos aqui na França não eram marcados pela rotina. Eram todos lugares que eu visitava pela primeira vez. Cheia de encantamento eu me surpreendia diante dos cartões postais ou como eu costumo lembrar daqueles tantos slides vistos na sala escura das aulas de historia da arte, lá no prédio da arquitetura, com a narrativa do professor Sá Pessoa. Agora começo a tatear estes lugares de memoria de um jeito diferente, passou o suspiro do primeiro olhar, não trata-se mais de confirmar na realidade esta cidade imaginaria que eu havia inventado como Paris. Inicio meu percurso afetivo, depois de dez meses, entre Saint Denis e Paris. Não é um trajeto de todos os dias, força do cotidiano. Mas é o mais comum, o mais frequente entre as minhas programações. Já o percorro com pressa, andando nas escadas e passarelas rolantes. Meu olhar neste momento não procura mais nas placas qual é a direção a seguir, caminho sabendo a direção e qual metro devo pegar. Saio de casa, de Saint Denis. Prefiro o RER D, é mais perto e mais rápido.  Este trem expresso me leva até o Chatelet Les Halles, onde tem um shopping. Nesta estação, que é bem grande, devo me encaminhar até a linha amarela, de numero 1. São apenas duas paradas e já estou na praça do Palais Royal Musée du Louvre. E, pelas vezes repetidas que desço nesta estação eu vou, aos poucos, desnaturalizando este cartão postal. Vejo sempre muitos turistas em frente ao Palácio procurando o melhor ângulo para os seus retratos. Se a minha programação é pela manha, vejo os estudantes que chegam para visitar o Louvre. No fim de tarde sempre é possível encontrar os patinadores que treinam no grande terraço da praça. Depois de atravessar esta paisagem tomo a rua em direção ao Instituto Nacional de Historia da Arte, na Galeria Colber. Esta é a minha primeira linha afetiva entre Saint Denis e Paris.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

“Ativar o espaço-tempo da memória”


Carolina Ruoso

Mestre em historia
Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Histoira da Arte, Laphista 
da Galeria Antonio Bandeira - Secultfor, PMF

Há uma necessidade de silêncio ao ritualizar imageticamente a vida, é preciso negociar com o tempo do relógio, pois o tempo da espera é relativo, depende da força da alteridade, exercício de concentração ao deslocar o ritmo da rotina. Abrem-se as portas do Museu, o público como coadjuvante é organizado em fila e entram na sala ambiente do MAMAM no Pátio para participarem da performance do artista mineiro Marco Paulo Rolla. Logo na entrada havia uma barraquinha de feira com ramalhetes de ervas e relógios despertadores, uma mulher entregava as ervas e um homem os relógios despertadores, além da BULA PARA USO DE OBJETO E ATIVAÇAO DO TEMPO.
 Trazia, além do título, as palavras TEMPO e ESPAÇO, repetidas vezes na margem superior, na capa havia uma ilustração do ramalhete de ervas de cabeça para baixo, feito com nanquim. Ao abrir o panfleto, iniciavam-se as instruções de procedimento: “Localize as ervas em um local do espaço, ao solo” seguida de uma ilustração de uma mão colocando as ervas em algum lugar ao chão. Depois a frase ATIVE O ESPAÇO – Mas que implicações estão neste gesto?  Escolher uma posição, marcar o lugar como seu e ocupar, suscitaria uma reflexão sobre autonomia na sociedade contemporânea?
Enquanto isso desde 18 horas e quinze minutos do dia 24 de novembro de 2007, Marco Paulo está nu, em pé sobre um pedestal (ou púlpito?) preso à parede, situado à direita da porta de entrada. Segura com as mãos um relógio de parede cobrindo seu rosto. Relação com o tempo imposta pelo relógio inventado pelos homens na modernidade, em contradição com uma identidade que o projeto de modernidade também tentou inventar quando propôs suprimir as subjetividades.
ESMAGUE AS ERVAS, próximo passo para CHEIRO ESPAÇO. Corpo em movimento para produzir sentido na relação espaço-tempo. Era preciso que cada participante se desdobrasse e se expusesse saindo da norma para gerar uma imaginação criadora e elaborar no instante da ação uma estética que é prática e apropriação de uma representação da memória pulsante de um corpo que pensa com os seus diferentes sentidos: tato, olfato, paladar, audição e visão.
 Concentrado rigidamente como quem paga uma promessa, em um exercício de diálogo com a dor, Marco Paulo, desce o relógio cronometradamente. Mas o que ele irá fazer? Quais as relações possíveis entre a construção do tempo de um com o tempo do outro? O que pode ser re-ligação quando somos mediados pelo tempo do relógio? Disciplina é religião. O tempo linear é um método de salvação da modernidade?
 O conceito PERMANEÇA NO TEMPO, instituído após o gesto de esmagar as ervas contra o chão e produzir o cheiro-espaço, exige duração, dedicação e sensibilidade para sentir os diferentes perfumes. Malva, eucalipto, arruda ou espada de São Jorge - todas as plantas compradas pelo artista, com a intenção de produzir cheiros, em casas de candomblé que estão situadas no entorno do Pátio de São Pedro, na cidade do Recife, PE. Havia também o desejo de purificação e de liberação das ansiedades. Cura-PERMANEÇA NO TEMPO-memória é uma composição estética-corporal de conceitos interventores na tragédia humana contemporânea.
Somos as lembranças que compartilhamos, pois estas geram pulsão de vida, a nostalgia solitária provoca pulsão de morte e vida-morte-vida são uma constante necessária nas relações afetivas, um está contido no outro. As plantas escolhidas foram\são manejadas pelas culturas de origem africanas e indígenas, são práticas ancestrais. A memória é composta por lembranças e esquecimentos. A lembrança é trazida à tona pelo momento vivido, pela experiência. Ao macerar as ervas no chão com os pés – um gesto violento? – e o cheiro penetrado nas narinas de cada um, forçou uma elaboração subjetiva da relação de si com uma memória coletiva. Um êxtase de vida, numa re-ligacao presente&passado, uma fissura de si no coletivo que abriu portas e possibilitou encontros, essa é a purificação que rompe com a ditadura do tempo do relógio e da velocidade. E deixa a continuidade como narrativa de uma experiência de ser/estar no mundo adentrar na vida.
As imagens das ervas com os relógios despertadores que começam a soar insistentemente. O homem nu continua a baixar lentamente e precisamente o relógio, já passaram trinta minutos e ainda é preciso esperar, ninguém mais do mesmo jeito que entrou, depois de vivida uma catarse simbólica. 19 horas e 05 minutos, uma quebra. Marco Paulo joga com força o relógio no chão. Atitude imagética de esfacelar o relógio e parar o tempo indica um desejo de romper com uma estrutura alheia introjetada nos nossos corpos contemporâneos. Quando Marco Paulo quebra o relógio demarca o momento de retornar ao cotidiano e quem sabe produzir diferenças nas relações com o tempo, na sua complexidade, propondo-se a se encontrar com as permanências simultâneas e desconexas numa sociedade onde o efêmero é imperativo.    

O registro em vídeo da performance pode ser encontrado no blog do artista



quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Depois do sol levantar

Reviro o nada. Margeio as folhas de um livro. Imagino tragédia. Abro as janelas. Giro. Rabisco um planejamento no horizonte. Instauro uma rotina. Pedalo pelos sonhos. Preparo um chá de paciência. Costuro um retalho de fotografias. Espio pela fresta da memória. Desenrolo flores de papel crepom para desmanchar o tempo. Exijo dedicação ao desapego. Ensaio uma dança improvisada. Tudo pelo avesso. Para desvendar a incerteza. Para depois de subir a montanha. Encontrar com a minha paisagem.

sábado, 24 de julho de 2010

Vivi Viravento acampou em nossas vidas


Eu gosto muito quando o meu Rudá fica assim pertinho de mim logo de manhasinha. É um momento muito especial. Nestas horas de encantamento aproveitamos para descobrir idéias inovadoras ou até mesmo tenho o cuidado de lhe contar histórias de quando eu era pequena. A internet participa das nossas vidas, por meio dela viajamos para casa - daqui do quarto de Saint Denis voltamos ao Brasil - milhões de vezes. Fico com uma vontade grande de lhe mostrar o mundo! E quando há poesia nas nossas aventuras tudo fica mais surpreendente. Ontem, eu notei que no site da TV Cultura tinha atividades dedicadas às crianças, pensei imediatamente que eu poderia apresentá-lo ao Rudá. Hoje de manha, depois do café ele se aprochegou... Então fomos à internet e encontramos na programação infantil do site da TV Cultura uma área dedicada às animações. Foi quando conhecemos a personagem Vivi Viravento. O Rudá foi cativado, ao primeiro olhar, pela docura e pelo jeito faceiro da menininha. Então Vivi Viravento entrou nas nossas vidas! Assistimos uma, duas, três e se eu deixasse passaríamos a manhã aprendendo com Vivi.

A vó de Vivi chama-se Rosa Rara, ela é uma escritora muito surpreendente e sempre lhe conta histórias sobre um lugar chamado Viravento. Inspirada pelas fantásticas histórias de sua avó a menina se despreende e de maneira bem leve parte para descobrir o mundo, enquanto procura por este lugar encantado nomeado de Viravento. Ela viaja por lugares do Brasil e registra em seu diário as suas aventuras de grande valor imaginativo. Ela inventa os nomes dos bichinhos que não conhece como, por exemplo este passarinho "teco teco telecoteco" que toma o lugar da palavra "pica pau" para nomear a ave que está na árvore. Estrela vagante para o Vagalume, este que nada no rio das correntezas elétricas. Viravento está no seu coração e na possibilidade de deixá-lo livre para ouvir e ver as músicas da floresta. Quando ela abre os ouvidos para ver ela encontra o caleidoscópio musical da floresta e percebe que esteve bem perto de Viravento. E depois de tudo, para alegrar nossa alma a história termina com os aplausos da chuva. Arrepiei os meus sentidos.


Para acompanharem todo o desenho sigam este link: http://www.tvcultura.com.br/animatv/pilotos . No site vocês poderão encontrar outras animações piloto da programação da TV Cultura, nós já conferimos o filme "Vai dar samba", é criada a partir da música Marinheiro Só, muito bom também.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Um vídeo e um convite a crítica: Exposição feira massa do Grupo MONSTRA.



Meus alunos visitaram meus pensamentos nestes dias de primavera. Saudade, talvez, ou um desejo de estar perto e continuar uma antiga conversa. A responsabilidade por este feito é de um vídeo que chegou até mim por meio do Facebook. Ele apresenta a montagem de uma exposição no Centro Cultural dos Correios na cidade de Fortaleza, seu título: “MONSTRA, feira massa”. Quis saber notícias daquela experiência e acessei o arquivo de mídia e logo pensei nas aulas de artes do colégio sapiens. Incontestavelmente outro filme passeou em minha mente, agora apresentando as minhas lembranças: meus alunos amavam pintar as paredes e criar personagens. 

Ocupava o lugar de professora, portando os convidava a planejar seus desejos artísticos. É comum ao realizamos uma visita a uma exposição que não nos preocupemos com os processos que levaram a arte ao estado de exposição. O vídeo que acompanha este texto é um excelente recurso didático para professores de arte. Além de uma importante ferramenta de registro do trabalho executado em uma instituição cultural. 

Gravar e narrar a história da montagem de uma exposição é uma tarefa sagaz. Gera memória, produz diálogo e informação a respeito da atividade cultural em questão; gesto necessário. No início aparece o contexto, depois observamos que há papéis no chão são os esboços dos artistas. Uma intenção antes do impulso. Um sonho que foi pensado, ensaiado, riscado, apagado, testado, construído, apresentado ao coletivo e depois compôs parte do conjunto expositivo. Arte é trabalho, é elaboração; é neste sentido o grupo procura mostrar as suas diferentes ferramentas: trena, tintas, lápis, papel, riscados, escada, projetor, computador, prancheta, cadeira, pincel, jornal, cola e pessoas, que havia muita gente reunida. Argumento de valorização quando se projeta para um mercado de arte? 

Esta exposição intitulada Feira massa é uma tentativa de diálogo com a Massa feira de 1979. Atividade coletiva e festas em torno do projeto, algo em comum? No cartaz da feira de trinta anos passados diz: “som.imagem.movimento.gente”. Há um bode no centro, luas e estrelas em ciranda em vermelho, preto e branco. Em conjunto o grupo MONSTRA estudou e pesquisou aquela atividade cultural e trouxe referências estéticas, retomou uma experiência do passado. Porque os novos artistas retomam os velhos artistas? Qual é a força de um movimento como o Massafeira? O esquecimento?

Algo “massa” é algo bom, jóia e que vale à pena, é um elogio descontraído. Feira é um lugar de encontro, de mercado, de divulgação e venda de diferentes coisas; entre elas podemos encontrar arte. Feira de arte é algo massa! E uma ação “monstra”, como é? É uma atitude mostra essa de escrever sobre uma exposição sem nem sequer tê-la visitado? Para monstra é possível pensar em absurdo? Não, está mais para assombroso. Mas o que é tão assombroso em nossa contemporaneidade? O grupo MONSTRA representada ou produz o assombro contemporâneo? 


E o que o bode tem com isso? Porque ele está de máscara anti-gás? Nos anos dois mil é possível falar na essência ou na pureza da cultura popular? O branco e o vermelho permanecem. O preto é substituído por azul celeste. Não há mais estrelas e luas e o bode está de máscara. Ele está livre da ciranda que o cercava? Ele ganhou o céu e perdeu as estrelas? Quem é este bode que precisa de máscara? De quem ou do quê é preciso se proteger? Os sonhos não são mais os mesmos é o que está destacado na escolha estética da proposta do cartaz e do título da exposição. Mas qual é mesmo o sentido da inversão? O que há de massa na feira pop de máscara? Máscara anti-gás ou papangu alegórico? Há assombros de dentro e de fora? Qual o lugar da tradução da tradição sempre revisitada?


Dois artistas escolhidos para leituras interpretativas
Circuito expositivo

Diego Akel
Há um perfil do corte de uma cabeça em exposição. Feito de jornal colado com goma, tinta preta e branca para a base estética do trabalho. O corte ao meio revela outro desenho possível para o cérebro humano, ou para os sentidos do mesmo. Imediatamente há indícios de uma referência aos estudos do cérebro que pensaram a loucura ou as indicações criminosas como no caso de Lombroso ou, ainda, espirituais como o Dr. Alescha Sivartha. É praticamente impossível não remontá-las visualmente ao observar o trabalho artístico de Diego Akel. Não se trata de uma cópia desse gênero de arte, nem de uma releitura a preocupação é de outra ordem. E está assinalada pelo movimento do branco sobre a silhueta preta. Repetições circulares, este é o traço de força da peça em análise, este pode também servir como gerador de outras expansões criativas. O que está sendo sugerido? O espiral é um símbolo ancestral que significa tempo ou passagem, mas não é uma espiral, são círculos fechados do pequeno ao maior, um dentro do outro. Onde encontramos esta imagem? Na natureza. 

Diego Akel está interessado na natureza? Não seria este o caminho que indica ter percorrido. Ao que parece é mais um grande esforço de intuição estética. Não compreendo como uma transposição da natureza para o papel e, depois, para a parede. E em que lugar da natureza se pode encontrar esta imagem? Nas árvores e nas conchas, por exemplo. Quando uma árvore muito antiga é cortada é possível saber o seu tempo de vida pelos círculos repetitivos que representam sua trajetória, é possível inclusive compreender diferentes fases de sofrimento pelo tamanho dos intervalos entre os círculos, se é mais curto ou longo há uma explicação que pode ser fornecida. 

Voltamos aos círculos brancos repetitivos dentro da silhueta preta de um rosto. Uma representação higiênica, silenciosa e indiferente de um cérebro de uma pessoa que aparenta um anonimato. Desenhado com limpeza e cautela cada círculo poderia ser identificado com a representação de um ano, de um tempo qualquer da trajetória de vida daquele sujeito indeterminado. A conhecida linha da vida. Não é para julgar se a pessoa é boa ou ruim, nem para pensar se ela está morta ou viva, não é esta a investigação do artista. Então, o que é que Diogo procura? É aqui nesta falta de resposta, (não que deva existir alguma. Mas seria preciso insistir mais nesta ausência, investigar com profundidade.) onde nos encontramos com a fragilidade da construção desta peça artística. 

Os quadros que estão sobre algumas das linhas dos círculos brancos, que indicam precisamente uma referência aos expressionistas, são apenas quadros. Isto é pouco para o exercício artístico que estava sendo construído. É preciso ir além e não se contentar com o que aparentemente parece pronto e resolvido. Se a busca for o efêmero, o subjetivo, a solidão, a angústia ou mesmo o vazio é preciso se debruçar e desfiar o tecido deste problema artístico. Há uma força neste trabalho que precisa ser debulhada, isso se o artista estiver interessado em seguir com esta pesquisa, é claro. Ou deixa passar, e que venham os outros projetos.

Ises Araujo
Com seus corações de arribação Ise constrói o cenário das suas telas. Modelos de corações partem de uma árvore em tempos de seca, dificuldade, sofrimento, dor e convida para a necessidade de guardar as energias e preservar os sentimentos. Delicadeza, doçura, ternura, sutileza, gestos finos e precisos indicam que naquele lugar haverá sinais de solidão. É um trabalho de pintura e se trata expressamente de uma coleção. Um conjunto que conta uma história, um retorno às tragédias clássicas e uma personagem que domina a cena. Há elementos fortes da artista Frida Kahlo: certa acidez, fundos chapados com uma cor forte e fragmentos de corpos femininos.

É uma elegante apropriação estética, mas o tema difere e o contexto também, tornando-se distante da artista citada. A mocinha de Ise é uma bonequinha de plástico ambivalente. Ise convida o observador e o deixa na dúvida entre a existência ou não de vida própria naquela bonequinha fofinha e aparentemente atrevida. Ao que parece a personagem não tem autonomia sobre sua própria vida, ela é vulnerável e manipulável. Estaria ela provocando os debates de gênero? A artista é uma garota e é a única menina do grupo na exposição e é ela quem domina e inventa as ações de sua bonequinha. Os demais objetos, os corpos, o coração alado não transmitem a confiança de pertencerem a mocinha dos cabelos pretos. Os temas do amor e do circo são ambientes para a personagem, há uma naturalidade inquietante nas cenas construídas, um simulacro de perversidade que dissimula a vida, a rotina e, talvez, alguma dor. Há um jogo que explora o consumo da dor. Esta montagem estaria perfeita para decorar um quarto de uma adolescente angustiada. A arte como produto de consumo está para a arte que invade e penetra nas ruas de Fortaleza ?


O grupo popõe feira como mercado para a arte, uma feira na galeria. E os trabalhos são pensados para se enquadrarem a estrutura do cubo branco. Estão todos à venda? E na rua, estes mesmos personagens teriam outro elam? Entre a montagem e a ação artística na rua haveriam diferenças evidentes? Esses meninos do grupo Monstra também querem "se der o carneiro, ir para o Rio de Janeiro e voltar em revistas super coloridas"? Trinta anos e o carneiro está na cena da cidade e como estão condições da produção cultural  e construção políticas públicas para a cultura em Fortaleza? A única chance é acertar no carneiro? Em trinta anos existem outras possibilidades para  inventar um mercado de artes? É por isso que o bode está de máscara?



quarta-feira, 21 de abril de 2010

Le Roi et l'oiseau (1980) part 1/9 (English subs)

Pour faire le portrait d'un oiseau

Jacques Prévert (Para fazer o retrato dum pássaro)

Este é o link com a poesia e uma tradução.


Izis e Prevert: entre sonhos de Paris
















"On me dit souvent que me fotos ne sont pas realistes.
Elles ne sont peut-être pas realistes, mais c´est ma realité".
Izis


Estive na exposição IZIS: Paris de Rêves no Hôtel de Ville à Paris. Seu nome, Israëlis Bidermanas, um fotógrafo Lituano (1911-1980) que buscou asilo em Paris. Aos 19 anos foge da miséria de seu país para viver na Paris dos seus sonhos, a capital das artes.

A exposição, que está em cartaz até 29 de maio, apresenta a trajetória deste fotórgrafo. Seu percurso poético ao criar um mundo próprio. Para a curadoria Izis viveu nas suas imagens, se sentindo em comunicação com aqueles que fotografava e aos quais atribuía uma história: as crianças, os amantes, os pobres... com os quais ele reinventava uma família para si. Seria uma construção de sua auto-biografia? Seria a produção de uma vida sonhada, ou ainda, da paris dos seus sonhos? E como poderíamos pensar as relações entre as escolhas de Izis e seu lugar social como exilado?

É um artista pouco lembrado
? Segundo a crítica do Le Monde.fr ele estaria desconhecido porque morreu antes que renascesse o interesse pelos trabalhos do pós-guerra ou, talvez, porque um artista empregado na Paris Match não precisasse divulgar sua obra para sobreviver. É interessante refletir porque o trabalho como fotórgrafo na Paris Match dispensaria divulgação do seu trabalho? A revista era já um meio de divulgação? É apenas por uma questão de sobrevivência que um artista divulga o seu trabalho?

No circuito da exposição são apresentados os retratos que fez de diferentes artistas como: Paul Eluard, André Breton e Chagal, seus percursos como fotógrafo documentarista na Paris Match, sua pesquisa visual sobre o Circo mas neste momento o que mais me inquietou como visitante da exposição foi a realização de trabalhos conjuntos, principalmente, a colaboração fotografo-escritor com Jacques Prévert
onde procuravam pesquisar o diálogo ou a reflexão entre imagem e palavra.

Em seguida apresento alguns slides preparados pelo jornal Le Monde com o Título: A Paris Humanista de Izis.

Le Paris humaniste d'Izis
LEMONDE.FR | 26.01.10

© Le Monde.fr



E pensando a respeito desta relação entre Izis e Prévert desejei pesquisar sobre eles na internet e encontrei trabalhos muito bonitos sobre Prévert. Uma animação do poema "Como fazer um retrato de um pássaro
?" e o outro é um filme "O rei e o pássaro" em que Prévert trabalhou como cenógrafo e também na adaptação dos diálogos. Estes dois vídeos compartilho aqui neste blog. São os dois vídeos que serão publicados em breve . O filme é possível vê-lo na íntegra e está com legendas em inglês. Mais sobre o filme: Le Roi et l'Oiseau, ano de 1980.






quinta-feira, 15 de abril de 2010

As Bandeiras de Arthur Bispo do Rosário.




As diferentes embarcações que encontramos são marcadas pelas diferentes bandeiras coloridas. Observando bem de perto podemos perceber que elas trazem desenhos diferentes e específicos. São símbolos da navegação. Arthur Bispo do Rosário trabalhou como sinaleiro no tempo em que esteve na marinha. Então, ele dominava muito bem este alfabeto. Elas são muito parecidas com aquelas da atividade de sinaleiro. Cada bandeira simboliza uma letra, um número ou um país. As bandeiras não estão penduradas apenas para enfeitar as estas jangadas. Há uma escrita silenciosa registrada nesta beleza. Se precisava reorganizar o mundo, era de si mesmo que deveria partir e, talvez, o seu segredo fosse o eterno desejo de pertencer ao mundo que ele conhecia. Era um lugar de memória, um refúgio no exílio estas embarcações da marinha, principalmente o seu saber-fazer, que poderíamos talvez chamar de compromisso com o mundo. Habilidosamente recortava, aplicava, desfiava, tecia e bordava cada uma das bandeiras, dedicado a esta tarefa de confeccionar os gestos lembrados.







Atravessar o tempo, moi non plus.

Um pedaço do tempo para apreciar a vida. Assim é estar em Saint Denis. Uma brecha para fortalecer o vínculo pessoal. Estar a dois passos do possível. Ter um oceano inteiro para nadar. Fazer do cotidiano uma alternativa para uma rotina encantadora e apaixonante. É elaborar todos os dias um roteiro de viagem. É estar disponível para se surpreender com a natureza e fazer dela uma paisagem simbólica. É estar muito próximo das páginas dos livros de história da arte. Emprestar quinze livros, na biblioteca mais próxima, por um mês. É andar nas ruas lembrando do Walter Benjamim. E assim perceber que há belezas em ser viajante. Desejar narrar. Passar o tempo anotando no caderninho de bolso todas as palavras desconhecidas. É estar autorizada ao alumbramento.