sábado, 26 de novembro de 2011

Escavações do presente

Museus, eu poderia passar tanto tempo. Vontade de ouvir o mundo. Destes fabricados nas grandes narrativas. Nada é à toa. Cada história tem as suas tensões. Cada lugar carrega as suas demandas. Não há como fugir das exigências do tempo. Fontes da ciência que sufocam ou potencializam o ser criativo. Há muitas trajetórias que tem sido soterradas. Ninguém aceita ser silenciado. Burburinhos anunciam as partilhas clandestinas a respeito da vida no tempo presente. Ventilam noticias. Fabricam outros passados. Tem sempre alguém querendo voar por outras fronteiras. As contradições saltam aos olhos. Nada teme, rasgam-se os indícios. Escavações do presente nas sutilezas do contemporâneo. Vou elaborar um texto cheio de alegorias. Riscar os desenhos para outros estandartes. E procurar produzir pequenas narrativas. Provocando simultaneidades entre temas dissonantes.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Em 3D, De Wim Wenders para Pina, sempre.

Ontem fui conhecer o Téâtre de laVille de Paris na Place de Châtelet. Eu tinha hora marcada: meu compromisso era as quatro e meia da tarde. Não podia imaginar que a ocasião para conhecer este teatro pudesse ser tão especial, foi este o motivo que me fez sair de casa cheia de encantamento. Estava frio mas fazia um lindo dia de sol, indicando o despertar da primavera. Eu havia ganho uma entrada para a Avant-prémiere do filme PINA de WIM WENDERS. Ao chegar na recepção falei que havia sido contemplada pela cinematheque de la danse, perguntaram o meu sobrenome e me entregaram o bilhete. Observei o lugar para compreender o movimento das pessoas, ouvi os sons das conversas, mirei outros olhares e deslumbrada segui o fluxo. Na fila recebi os óculos 3D e ao entrar na sala fui procurar a minha cadeira: I 38. Melhor posição seria impossível. Que sonho eu poder esta ali naquele momento, que alegria, que sorte! Enquanto aguardava o momento da estreia aproveitei para folhear as duas brochuras que foram entregues na bilheteria. A primeira era um especial do Téâtre de la Ville, datada de novembro de 2009. Trazia textos em homenagem à trajetória de Pina Bausch, “ela não estará lá” mas seus dançarinos do Tanztheater de Wuppertal sim, eles estariam presentes e trariam no corpo memórias de sua obra prima. No outro, o encarte do filme “PINA: dancem, dancem se não nós estaremos perdidos” e, nas primeiras páginas, Wim Wenders explicava porque a primeira projeção em Paris seria neste teatro.
Neste momento o diretor de PINA posicionou-se no palco e carregado de emoção nos contou como durante vinte anos ele junto com Pina pensaram e conversaram sobre este filme. Ele disse que quando falou a ela sobre esta possibilidade pela primeira vez, ela apenas sorriu. E que este sorriso poderia significar tantas respostas... Somente depois de algum tempo Pina chegou para ele e perguntou: e aquela ideia de fazer um filme? Para Wim Wenders a linguagem cinematográfica ainda tinha limites que o impediam de transportar a arte de Pina Bausch. Então, somente em 2007 ao assistir um concerto do grupo irlandês U2 em tecnologia 3D no Festival de Cannes, ele se deu conta que poderia colocar nas telas do cinema o teatro-dança de Pina. “é possível apenas em 3D! Será somente integrando a dimensão espacial que eu poderei me sentir capaz, sem presunção, de transpor ao cinema o teatro-dança de Pina de uma forma apropriada (tradução minha) .
Então, no inicio de 2008, começou a pesquisar a tecnologia 3D e a refletir com PINA a realização deste sonho comum. Ela escolheu quatro peças do seu repertório: Café Müller, Le Sacre du Printemps, Vallmond e Kontakthof . Quando dois dias antes do primeiro ensaio da filmagem em 3D em Wuppertal, 30 de junho de 2009, o inimaginável se produziu de repente, Pina Bausch estava morta. Seria impossível realizar este filme sem ela, disse Wim Wenders. No entanto, este projeto já era amado por muitos daqueles que desejavam, neste memento de imensa perda, poder guardar o olhar penetrante e amoroso de Pina para com os gestos e movimentos de seus dançarinos, inscrito de maneira viva nos corpos de seus dançarinos ao repetir as suas coreografias. Assim este filme seria feito para Pina. E, por ela ter apresentado, neste teatro a maioria das suas peças, durante mais de trinta anos, (desde 1979) - Ela viveu neste teatro de maneira mais presente que em qualquer outro palco do mundo, - neste sentido Wim Wenders em acordo com a Tanztheater Wuppertal-Pina Bausch decidiu que a primeira projeção de PINA, na França, aconteceria no Théâtre de la Ville de Paris, ele estava certo de que esta decisão corresponderia a própria vontade de Pina. Silêncio e aplausos.
Trata-se do primeiro filme de autor em 3D no mundo. A sensação inicial que tenho quando penso em filme 3D é a velocidade em queda livre, como na imagem do carrinho descendo na montanha russa, de repente. Esta tecnologia ocupava este lugar do entretenimento, mas Wim Wenders aproveitou o melhor que esta tecnologia poderia oferecer, ele construiu um dialogo com a arte da dança, com os corpos e os corações. Mostrando que a dança para Pina era a vida. Nos aproxima e nos afasta dos dançarinos. Produz uma leitura da obra concebendo a existência de fortes relações entre as diferentes coreografias, ao trabalhar com os fragmentos das quatros peças de maneira não linear. Não trata-se de uma narrativa biográfica, nem uma tentativa de definir Pina. O filme é sobre a presença da experiência, sobre as lembranças, sobre um legado ou, ainda, sobre como Pina esta inscrita no corpo dos dançarinos do Tanztheater Wuppertal-Pina Bausch. É sobre a força da arte de Pina, in memoriem. No filme, Wim Wenders procura distinguir atenciosamente os tempos das imagens, trabalhando de maneira muito singular os vídeos de arquivo, desta maneira nos convida ocupar as cadeiras ao lado dos dançarinos para ver as projeções dos ensaios (estes mostram Pina trabalhando) construindo, com esta escolha, a perceptiva de que há uma memória em elaboração. E nesta abordagem delicada e amorosa das lembranças Wim Wenders utilizou no filme o método de trabalho de Pina. Quando ela estava elaborando uma nova peça, Pina fazia perguntas ao seu grupo e pedia que eles a respondessem por meio de improvisações e mimicas, dançando sentimentos e experiências intimas, a partir destas trocas intensas ela inventava suas novas coreografias. Assim, cada um dos dançarinos criou um solo para expressar suas lembranças. Estas foram filmadas na cidade de Wuppertal e seus arredores, em Bergisches Land, nas instalações industriais, nos cruzamentos de ruas e no monotrilho suspenso. Entre encantamentos e estranhamentos o filme provoca uma relação afetiva intensa com o projeto de vida de Pina Bausch que é: “dancem, dancem se não estaremos perdidos”.